Coração de Leão

Uma autobiografia que envolve Amor e Fé entre mãe e filhos, capaz de mostrar que o Amor incondicional vai além da despedida... E ainda é capaz de recomeçar.

Filtering by Category: Miguel

Mais um Presente!


Theo, 16 semanas.

Theo, 16 semanas.

Quando eu pedi a Deus um filho, ele me deu o Miguel. Não pedi que tivesse os dois braços e pernas, olhos azuis ou pretos, viesse com 46 ou 47 cromossomos. 

Eu pedi um filho.

E Ele, na sua perfeição, me mandou a coisa mais perfeita da minha vida!

Até mesmo aquilo que a Medicina dizia ser "má-formação cardíaca", eu dizia ser MEU. E é. 

Ele É todo meu. E é tãoooo perfeito que me mandou um presente, que há mais de 16 semanas cresce dentro de mim. ❤

Eu pedi a Deus que eu queria "Mais" um Filho. E não "Outro". 

Porque o Miguel existe na minha vida e na vida de todos que o amam, pra sempre.

E Deus me deu, mais uma vez o que eu pedi: a chance de ser mãe de mais um filho

Se tenho medo? Eu tive medo de perder o Miguel. E olha que esse medo é o maior. Mas descobri que após a sua partida eu só não o tenho mais fisicamente. Mas nunca vou perdê-lo. Ele existe nas lembranças. Nas coisas boas que chegam a mim. Na paz dentro do meu coração.

E o que fica disso? 
 

Que o medo e a dor não são maiores do que o Amor que sinto.

 

Então, medo hoje? Sou humana, por que não?! Mas acima de tudo sou MÃE e de DOIS, meu AMOR É MAIOR QUE TUDO. 

E é dele que eu vivo! 

A mesma força que vem do meu leãozinho, me faz querer ReCoMeÇar.

Um dia fui uma lagarta.
Hoje sou uma borboleta!

Aracelli Moreira 

 

Qualquer reprodução deste texto deve seguir com a fonte de autoria: Aracelli Moreira, www.coracaodeleao.com.br

 

Ah, sim, eu fiz cesárea!


barrigão

Sou a mãe do Miguel que nasceu em novembro do ano passado de Ce.Sa.Ri.A.Na. Isso mesmo! Tudo bem que foi necessário, já não passava a quantidade adequada de nutrientes pelo cordão umbilical, e meu filho já não estava 100% na barriga. Mas eu faria cesariana, essa já era a minha opção. E aí eu vejo reportagens e pessoas atacando essa escolha. Assim como vejo também aquelas que acham surreal a mulher ter um bebê na banheira. 

Vamos lá. Tenho apenas 30 anos, mas já passei por algumas experiências na minha vida que me mostraram que Ser Mãe não está na escolha do parto, ou no tipo de papinha que você dá ao seu filho.

Eu perdi uma gestação de 6 semanas, antes do Miguel. Não tinha embrião, apenas o saco gestacional. E mesmo a medicina me dizendo que não tinha bebê, eu me senti perdendo um filho que não existia. Seis meses depois engravidei do Miguel que teve o diagnóstico de uma Síndrome de Down e por isso tinha 2 cardiopatias de caso cirúrgico. Se tinha mãe que ao meu lado se preocupava por ter estrias na barriga, ou por não caber em nenhuma roupa, ou até mesmo porque queria uma menina e veio menino, minha preocupação era curtir cada segundo do meu filho dentro de mim. Aqui eu sabia que ele estava seguro. 

E eu fui a grávida mais feliz do mundo.

Tanto fui que não tive nada a gravidez inteira. Nada de enjoo, inchaço, nada! Eu tinha uma pressa pra ser feliz que nada mais tinha espaço. 

Meu filho nasceu e foi direto à UTI. Eu passei as 12 horas deitada e assim que pude levantar, não saí mais do seu lado. Nem voltava para o quarto para tomar os remédios. Era tudo por ele, para ele. Não me sentia no direito de reclamar de nada, porque eu sou adulta e ele só um bebê que era picado toda hora para exames. 

Miguel passou por uma leucemia transitória, pela suspeita de Megacolon e pela cirurgia cardíaca. 

Após duas paradas cardiorrespiratórias ele se foi. 

E eu? Tive que ser a mãe leoa do meu leãozinho. Tive que acordar todos os dias desde então e voltar a viver, por ele. Não tive a chance de amamentar o meu filho, ele usava uma sonda, mas eu estava todos os dias às 7h abrindo o lactário para que ele tivesse meu leite por todo dia. 

Ser Mãe é viver por alguém que você ama além de tudo, até de si mesma. Culpa-se por não ter feito o parto dos sonhos, ou julgar o outro por alguma atitude diferente da sua, É NÃO ENXERGAR O VERDADEIRO SENTIDO DA VIDA.

Minha CICATRIZ é a marca mais linda que tenho no meu corpo porque ela é a prova de que o Miguel esteve aqui dentro de mim.

Aracelli Moreira 

 

Qualquer reprodução deste texto deve seguir com a fonte de autoria: Aracelli Moreira, www.coracaodeleao.com.br

 

Coisa que não se explica, se sente!


mães

Recebi uma ligação de uma amiga, da época da escola, que me tornei parte da sua família após casar com o seu primo. Ela dizia que precisava falar para mim muita coisa sobre o Miguel. 

Karol e eu engravidamos ao mesmo tempo, de dois meninos. E por isso ela passou tudo comigo de um ângulo muito delicado: ela também tinha um bebê dentro dela. Nossos filhos nasceram com uma diferença de 2 semanas, já que o meu parto foi antecipado em 10 dias. 

A amizade entre nós duas tornou-se ainda maior durante a gravidez. Assim que eu fiz a Morfológica e descobri as más-formações do coração e da hidrocefalia, fiz o impossível para não contar a ela... (Porque ela também tinha um bebê que crescia dentro dela)... Mas a sua teimosia, ou sexto sentido, fez com que batesse à minha porta e olhasse nos meus olhos para ter certeza de que eu não escondia nada. E eu tive que contar que o Miguel precisaria de muitos cuidados.

Minha amiga precisava me dizer, após 6 meses da partida do meu filho, o que foi o Miguel na sua vida e na do seu filho.

Disse que o Davi sempre ouviu falar do primo, que ela fazia planos para os dois juntos, que tudo aquilo que passaríamos juntas, um dia seria lembrado por nós, sentadas embaixo de uma árvore, com nossos filhos correndo e brincando. Ela acreditava, assim como eu, que tudo ia passar, que as cirurgias viriam, mas que a cura do meu leãozinho seria junto a todos nós, crescendo, fazendo bagunça e pirraça. 

Ela me disse que na noite que antecedeu o meu parto ficou ainda mais nervosa do que na do seu. Porque o Miguel era um pouco dela também, era um pouco do pequeno Davi. E essa ligação será eterna. Eles não vieram ao mundo num mesmo momento ao acaso. E a Karol sempre diz a ele sobre o seu primo quase irmão. E eu me sinto mais perto do meu filho quando tenho o meu sobrinho no colo. Eles sempre serão parte um do outro. 

Em meio às nossas conversas - porque ela é uma das poucas pessoas que posso falar abertamente sobre tudo, inclusive sobre o meu filho e tudo o que passamos, sem me sentir desconfortável ou estranha, pois ela faz questão de dizer como se sente e, principalmente, quer tentar realmente me entender - eu soube que na noite que antecedeu a partida do meu filho, o Davi só fez chorar. E horas depois, seu pai colocou uma caixinha de música para tocar que o fez se acalmar, adormecer e, na hora, ela me disse que pensou no Miguel. Era uma música triste, que sempre quando toca faz lembrar-se dele. 

Talvez fosse seu anjo-da-guarda dizendo que os dois primos não cresceriam juntos, que não iriam brigar pelos mesmos brinquedos, ou talvez fosse só o Miguel dizendo adeus.

Aracelli Moreira 

 

Qualquer reprodução deste texto deve seguir com a fonte de autoria: Aracelli Moreira, www.coracaodeleao.com.br

 

Quando me tornei Mãe de UTI


Nossa última foto, o último colinho da mamãe, um dia antes da cirurgia.

Nossa última foto, o último colinho da mamãe, um dia antes da cirurgia.

Eu soube que seria uma Mãe de UTI por volta dos sete meses de gravidez, no exame de Ecocardiograma Fetal.

Tive o diagnóstico, aos seis meses de gestação, de que meu filho tinha Síndrome de Down, mas foram as Cardiopatias que o levaram à UTI Neo. Miguel nasceu com DSAV Total (Defeito do Septo do Atrioventricular Total) e Tetralogia de Fallot. Essas cardiopatias foram relacionadas à Síndrome de Down, já que cerca de 60% desses bebês nascem com alguma má-formação no coração. Meu filho ficaria na UTI tanto para avaliar sua condição após o parto, quanto para uma possível cirurgia antes de sua alta.

E por mais que eu estivesse ciente de onde seriam os nossos dias a partir do seu nascimento, uma mãe nunca está preparada para isso. Ela se faz. Na marra!

A gente se percebe como Mãe de UTI quando recebe alta do hospital e volta à nossa casa sem nosso filho. Entrar no seu quartinho todo decorado e o ver vazio, chegar com a mala de maternidade praticamente intacta é como se nada fosse verdade. Mas eu não tinha tempo de pirar, de sofrer. Meu filho precisava de mim. Eu só pude enxugar as lágrimas e voltar à maternidade.

No início todos aqueles monitores, aqueles alarmes, aquelas agulhas me deixavam à flor da pele. Ao mesmo tempo em que eu queria me ver livre daquele ambiente, sabia que ali era o melhor para ele. 

Uns dois dias depois do parto, ficou decidido: o Miguel só teria alta com uma cirurgia cardíaca paliativa e, só então, aos seis meses de vida, poderia fazer a definitiva.

Foram quarenta dias de UTI. O que antes me amedrontava, já fazia parte da nossa rotina. Nem chorar meu filho chorava ao ser furado várias vezes ao dia para exames. Ele enfrentou uma Leucemia Transitória (comum em Down) por quatro semanas e, ao longo desse tempo, precisou de transfusão de plaquetas até seu organismo reagir.

Enquanto se é Mãe de UTI, não se tem o direito de resguardo, de ter medo de agulha, de ver seu filho chorando e poder pegá-lo no colo. Não se tem o direito de acordar de madrugada para amamentá-lo, de trocar suas fraldas, de segurá-lo nos braços quando bem quiser. A gente se sente Mãe por tabela.

O leite passa ser a forma mais próxima do que tínhamos antes de nascer. O lactário vira a nossa segunda casa, porque a primeira é a cadeira ao lado de sua incubadora. Lembro-me das tantas mães que via chegando ao lactário, ainda enfaixadas, abatidas, muitas não esperavam por ter seus bebês numa incubadora. O primeiro dia era sempre desesperador, porque, se saísse uma gota de leite, era muito. A sensação era sempre a mesma: “não vou conseguir ser a mãe para o meu filho”. A gente acaba se agarrando na sensação de que só o nosso leite é capaz de tirá-lo dali.

Mas com o tempo… sempre ele… tudo se encaixa. O leite sai naturalmente, a gente aprende os horários das dietas e assim os horários que temos que estar a postos. Ali dentro, dividimos nossas angústias, nosso sucesso do dia.

Aqueles corredores ouvem muito! Porque naquele mundo paralelo que existe e sempre existiu – só não imaginávamos que era verdade – vive-se um dia de cada vez. Um dia se sai aos prantos porque seu bebê perdeu trinta gramas, ou não reagiu bem a uma medicação; ou sai aos prantos porque vão aumentar sua dieta, ou por seus exames saírem perfeitos. Chamo de efeito Montanha-Russa. É como entrar numa montanha-russa. Mas a gente nunca sabe se é com ou sem emoção. Tenho a sensação que pedi para vir ao mundo Com emoção!

Voltava a casa com os ruídos daqueles monitores na cabeça, mas em companhia das mantinhas, meias, luvinhas, dos cueiros com cheirinho delicioso de esparadrapo do meu filho – numa exaustão nível máximo, tudo, porém, valia a pena pela vida do Miguel. Ele sempre me fez ser forte, ser a mãe leoa do meu leãozinho. E por mais que chorasse no meu travesseiro, eu não tinha o direito de desistir.

No 39º dia na UTI, fez a tão aguardada cirurgia. Uma cirurgia traiçoeira, era como diziam os médicos. No dia seguinte, seu coração parou de reagir e ele se foi. E mesmo com a maior dor do mundo, o Miguel me FAZ acordar todos os dias e desejar continuar. Porque eu sei que ele me escolheu, porque sabia que eu poderia suportar tanto e ainda assim continuar de pé, por ele.

Quem passa por esse mundo paralelo de uma UTI, torna-se alguém que valoriza cada segundo, cada detalhe da vida. Porque por mais que um dia estejamos fora dela – com os nossos filhos ou não -, ela nunca mais sai de dentro de nós.

Artigo originalmente publicado no site Maternidade no Divã 

Setembro de 2014


Foto tirada por uma aluna no palco da escola onde trabalho, na hora do intervalo, aos 9 meses de gravidez. A arte na barriga foi feita por outra aluna, que deixou as mexidas do Miguel guiarem seu processo de criação. <3

Foto tirada por uma aluna no palco da escola onde trabalho, na hora do intervalo, aos 9 meses de gravidez. A arte na barriga foi feita por outra aluna, que deixou as mexidas do Miguel guiarem seu processo de criação. <3

Este foi um texto que escrevi, ainda grávida, que eu publicaria junto à foto do Miguel, saindo da maternidade, como forma de Boas-Vindas.

“Um tal de Pinóquio pediu ao pai dele que queria ser ‘Um menino de verdade’, eu pedi ao meu Pai ‘Deus, quero ser um menino especial’. Aí ele me disse que pra isso eu deveria vir numa família especial. Que eu iria precisar de mais um cromossomo pra caber todo Amor e Carinho que eu teria por ela. E assim foi...

Escolhi a minha mãe. ‘Deus, quero aquela ali, cheia de defeitos, mas que quer mudar o mundo’. E não é que acertei em cheio?! A primeira vez que nos olhamos foi quando eu tinha 5 semanas e 6 dias... Meu coração bateu mais forte e os olhos dela se encheram de lágrimas com isso. Era ela!

Ao lado da mamãe estava o papai, que não chegou a olhar tão bem pra mim porque passou mal quando também escutou meu coração bater bem alto. Ah, papai, naquele instante eu sabia que tinha que ser você! Ainda lá de cima eu já tinha perguntado a Deus ‘Quem é aquele ao lado da mamãe nos momentos que ela mais precisa?’ E ele me disse que era você. ‘Quero ser como meu pai, cara de durão e com o coração enorme!’

Fui crescendo e só ouvia ao redor de mim ‘Que barriga grande!’. Era eu, gente, gosto de espaço! 
Dei trabalho aos meus pais! Preocupei-os... Mas eu sempre dizia à mamãe que eu estava bem! E ela entendia. Cantava para mim todas as vezes que estava dirigindo, e batíamos altos papos à noite antes de dormir. Adorava ouvir a voz grossa do papai ‘Vai dormir, garoto! Pare de fazer bagunça!’ Aí mesmo que eu chutava pra mostrar a ele que eu também seria teimoso como ele... 

Ao contrário do que diziam, meu coração é forte como de um Leão, né, mãe?! Mandei dizer a ela que eu só precisava de duas coisas: muito Amor e muita Fé... E foram tantas orações, tanto amor que me mandaram...

Desde então, eu estive na barriga da mamãe e constatei que minha escolha não poderia ser melhor. Escutei cada recadinho que davam quando chegavam pertinho de mim, cada toque de carinho. Me sentia uma verdadeira celebridade, de tão esperado e planejado que fui.

Eram realmente vocês que eu queria na minha vida!
Muito prazer!
Sou o Miguel.”

Aracelli Moreira 

 

Qualquer reprodução deste texto deve seguir com a fonte de autoria: Aracelli Moreira, www.coracaodeleao.com.br

 

 
 

Site feito com amor por