Coração de Leão

Uma autobiografia que envolve Amor e Fé entre mãe e filhos, capaz de mostrar que o Amor incondicional vai além da despedida... E ainda é capaz de recomeçar.

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Quando me tornei Mãe de UTI


Nossa última foto, o último colinho da mamãe, um dia antes da cirurgia.

Nossa última foto, o último colinho da mamãe, um dia antes da cirurgia.

Eu soube que seria uma Mãe de UTI por volta dos sete meses de gravidez, no exame de Ecocardiograma Fetal.

Tive o diagnóstico, aos seis meses de gestação, de que meu filho tinha Síndrome de Down, mas foram as Cardiopatias que o levaram à UTI Neo. Miguel nasceu com DSAV Total (Defeito do Septo do Atrioventricular Total) e Tetralogia de Fallot. Essas cardiopatias foram relacionadas à Síndrome de Down, já que cerca de 60% desses bebês nascem com alguma má-formação no coração. Meu filho ficaria na UTI tanto para avaliar sua condição após o parto, quanto para uma possível cirurgia antes de sua alta.

E por mais que eu estivesse ciente de onde seriam os nossos dias a partir do seu nascimento, uma mãe nunca está preparada para isso. Ela se faz. Na marra!

A gente se percebe como Mãe de UTI quando recebe alta do hospital e volta à nossa casa sem nosso filho. Entrar no seu quartinho todo decorado e o ver vazio, chegar com a mala de maternidade praticamente intacta é como se nada fosse verdade. Mas eu não tinha tempo de pirar, de sofrer. Meu filho precisava de mim. Eu só pude enxugar as lágrimas e voltar à maternidade.

No início todos aqueles monitores, aqueles alarmes, aquelas agulhas me deixavam à flor da pele. Ao mesmo tempo em que eu queria me ver livre daquele ambiente, sabia que ali era o melhor para ele. 

Uns dois dias depois do parto, ficou decidido: o Miguel só teria alta com uma cirurgia cardíaca paliativa e, só então, aos seis meses de vida, poderia fazer a definitiva.

Foram quarenta dias de UTI. O que antes me amedrontava, já fazia parte da nossa rotina. Nem chorar meu filho chorava ao ser furado várias vezes ao dia para exames. Ele enfrentou uma Leucemia Transitória (comum em Down) por quatro semanas e, ao longo desse tempo, precisou de transfusão de plaquetas até seu organismo reagir.

Enquanto se é Mãe de UTI, não se tem o direito de resguardo, de ter medo de agulha, de ver seu filho chorando e poder pegá-lo no colo. Não se tem o direito de acordar de madrugada para amamentá-lo, de trocar suas fraldas, de segurá-lo nos braços quando bem quiser. A gente se sente Mãe por tabela.

O leite passa ser a forma mais próxima do que tínhamos antes de nascer. O lactário vira a nossa segunda casa, porque a primeira é a cadeira ao lado de sua incubadora. Lembro-me das tantas mães que via chegando ao lactário, ainda enfaixadas, abatidas, muitas não esperavam por ter seus bebês numa incubadora. O primeiro dia era sempre desesperador, porque, se saísse uma gota de leite, era muito. A sensação era sempre a mesma: “não vou conseguir ser a mãe para o meu filho”. A gente acaba se agarrando na sensação de que só o nosso leite é capaz de tirá-lo dali.

Mas com o tempo… sempre ele… tudo se encaixa. O leite sai naturalmente, a gente aprende os horários das dietas e assim os horários que temos que estar a postos. Ali dentro, dividimos nossas angústias, nosso sucesso do dia.

Aqueles corredores ouvem muito! Porque naquele mundo paralelo que existe e sempre existiu – só não imaginávamos que era verdade – vive-se um dia de cada vez. Um dia se sai aos prantos porque seu bebê perdeu trinta gramas, ou não reagiu bem a uma medicação; ou sai aos prantos porque vão aumentar sua dieta, ou por seus exames saírem perfeitos. Chamo de efeito Montanha-Russa. É como entrar numa montanha-russa. Mas a gente nunca sabe se é com ou sem emoção. Tenho a sensação que pedi para vir ao mundo Com emoção!

Voltava a casa com os ruídos daqueles monitores na cabeça, mas em companhia das mantinhas, meias, luvinhas, dos cueiros com cheirinho delicioso de esparadrapo do meu filho – numa exaustão nível máximo, tudo, porém, valia a pena pela vida do Miguel. Ele sempre me fez ser forte, ser a mãe leoa do meu leãozinho. E por mais que chorasse no meu travesseiro, eu não tinha o direito de desistir.

No 39º dia na UTI, fez a tão aguardada cirurgia. Uma cirurgia traiçoeira, era como diziam os médicos. No dia seguinte, seu coração parou de reagir e ele se foi. E mesmo com a maior dor do mundo, o Miguel me FAZ acordar todos os dias e desejar continuar. Porque eu sei que ele me escolheu, porque sabia que eu poderia suportar tanto e ainda assim continuar de pé, por ele.

Quem passa por esse mundo paralelo de uma UTI, torna-se alguém que valoriza cada segundo, cada detalhe da vida. Porque por mais que um dia estejamos fora dela – com os nossos filhos ou não -, ela nunca mais sai de dentro de nós.

Artigo originalmente publicado no site Maternidade no Divã 

 
 

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