Coração de Leão

Uma autobiografia que envolve Amor e Fé entre mãe e filhos, capaz de mostrar que o Amor incondicional vai além da despedida... E ainda é capaz de recomeçar.

Um novo eu


Quando se despede de um filho, por uma vida inteira, todas nós, mães, passamos por um processo de transformação que é inevitável, irreversível, incontrolável. Eu dizia muito no início "eu não me reconheço mais", "não consigo ser a Aracelli de antes". E ouço sempre de outras mães a mesma coisa. 

Mas com o tempo a gente passa a se (re)conhecer, a entender que é impossível mesmo passar por tanto e não mudar. Olhamos tudo de maneira muito mais sensível, com mais detalhes. A vida passa a ter outro contorno. 

Claro que, quando damos conta que não somos mais as mesmas, somado a dor, tudo parece um pesadelo. E entendemos que esse novo Eu aparece e, na verdade, é fruto da experiência que passamos, mas também da existência dos nossos filhos, e por eles, somos capazes de nos transformar até num inseto, se preciso! 

E a cada dia, esse novo processo me mostra algo que não estava ali. Esses dias percebi que uma mãe que não tem mais seu filho é semelhante a um alcoólatra em tratamento para o resto da vida. Em que se precisa vencer um dia de cada vez. E se algo, ou alguém, ativa nossa dor, ela vem com tudo, e voltamos ao fundo do poço.

Ouço muitos relatos de outras mães que dizem "estava tudo bem até que...". 
Por isso esse processo de transformação nos exige Autoconhecimento. Precisamos entender nossos limites, repensar em nossas atitudes e sempre nos perguntar "Isso é bom pra mim?
Porque a saudade em si já é algo grandioso demais que temos que lidar, e pra sempre! Por isso, saber até onde podemos ir, até onde podemos deixar que outras pessoas avancem, é uma questão de sobrevivência... nossa!

Quem disse que hoje desejo ser a Aracelli que fui até 2013? Porque minha versão Mãe do Miguel e agora Mãe do Theo é a mais completa, cheia de coragem e medo, capaz de enfrentar o universo mas também que pode chorar antes de dormir. 

Essa versão mais completa não é só porque me despedi de um dos meus filhos, mas porque eles existem em mim! 

Aracelli Moreira 

 

Qualquer reprodução deste texto deve seguir com a fonte de autoria: Aracelli Moreira, www.coracaodeleao.com.br

 

 

Pela Porta da Frente


Saída da maternidade

Saída da maternidade

Um dia eu recebi alta e ouvi da enfermeira que poderia retornar para visitar o meu filho. Visitar. Visitar! Passei com ele 9 meses dentro de mim e, a partir daquele momento, eu poderia  vi si tar  o meu filho. 

Lembro-me de sair com lágrimas pesadas escorrendo pelo meu rosto. Entrei no carro com a minha mãe e meu marido, os dois em silêncio, respeitando a minha dor. 

Todos nós sabíamos que o Miguel ficaria na UTI, mas quem disse que meu coração de mãe tinha ou queria entender?! 

Mas dor maior eu ainda sentiria semanas depois, quando saísse por aquela porta sem ele para sempre.

Agora, poucos dias atrás, recebi minha tão aguardada alta. Dessa vez, não houve equipe cirúrgica à espera do meu filho, eu pude arrumar seu quartinho porque a expectativa era de que em breve ele estaria em casa, todos que foram à maternidade foram NOS visitar, e não encontraram apenas comigo. 

A cena que eu tanto aguardava, após o nascimento do meu segundo filho, era a dele sendo levado pela enfermeira, vindo do berçário para ficar comigo.

Eu ainda estava meio sedada, nem consigo me lembrar de muitos que estiveram conosco nesse momento, esqueci-me também da maioria das coisas que disse, mas essa cena, eu nunca vou me esquecer. 

Ali eu REcomeçava. 

Não consegui dormir nos dois dias que estivemos lá. Passei as noites sentada na cama do hospital olhando o Theo dormir. Tudo aquilo ainda era novo e me dava um medo danado de não ser verdade. Numa das poucas conversas que me recordo, lembro-me da Mãe do Thi (que vocês conhecem pelo livro) olhando nos meus olhos e dizendo "É real!". Foi a mesma coisa que ela disse à Mãe da Sofia e a mim, quando sua segunda filha nasceu. 
"É real!". 
"É real!". 
Eu repetia dentro de mim. 

E quando disseram que já poderíamos ir pra casa, senti um friozinho na barriga. 

Mais uma vez, vi minha mãe arrumando minhas coisas, meu marido levando tudo pro carro, mas dessa vez, DESSA VEZ, eu tinha o meu filho comigo. Tudo era novo. Eu não sabia como seria. Ali eu era a mãe de segunda viagem mais primeira viagem do mundo! 

A enfermeira chegou, nos acompanhou pelos corredores e eu não conseguia deixar de sorrir ao ver meu Minduim sendo empurrado no seu bercinho. Que vontade de sair correndo por aquela maternidade e gritar pra todos os cantos: ESTAMOS INDO PRA CASAAAAAAA! Mas minha cesariana não permitia isso. 

Além da minha mãe e do meu marido, estava comigo (como ela mesma diz) aquela que segurou pela primeira vez meu filho no colo, que colocou nos meus braços o presente que meu anjo Miguel enviou. Os três me acompanharam a distância, como se quisessem deixar esse momento só meu. Só nosso.

E quando chegamos à recepção, eu me senti como se assistisse tudo aquilo de fora, em câmera lenta:
Eu de alta sem o Miguel...
Passando por aquela porta por 40 dias, pensando em quando o teria comigo saindo dali...
Indo embora sem ele, pra sempre...

Ao mesmo tempo,  era real! Eu estava ali com o Theo!

A enfermeira me entregou meu pacotinho e tudo isso se tornou um turbilhão de sensações e emoções que eu nunca conseguirei explicar. Eu me via, como numa câmera girando 360º ao meu redor, segurando o Theo, as pessoas ao redor me olhando chorar um choro entalado na garganta por 15 meses. Todos se afastaram e eu saí devagar, com cuidado, com lágrimas de alívio, de saudade, de amor, de gratidão, de felicidade.

Paramos para a foto tradicional à porta da maternidade, aquela que eu sempre disse que um dia tiraria. 

E antes que eu pusesse os dois pés para fora, recebi um abraço e ouvi bem ao meu ouvido: "Você está pronta pra voar. Então voe, borboleta!"

Passei por aquela porta com os meus dois filhos, um nos braços e com o outro no meu coração.

Obrigada, Deus! 

Aracelli Moreira 

 

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Nove Meses


Foto do parto do Theo

Foto do parto do Theo


Você passou a existir no momento em que meu coração disse que eu estava pronta para ser Mãe mais uma vez. Antes disso, eu não fazia ideia de que seria emocionalmente possível.

Foi só quando eu olhei para aquele quartinho o qual eu deixara para trás cheio de lembranças - umas concretizadas, outras só na imaginação - que entendi que você um dia chegaria para me fazer existir num outro momento da maternidade que nunca tive: o de cuidar, proteger, ver crescer.

E montar todo ele de novo, imaginando-te nele, me fez ter medo de não ser real. Mas o Amor que crescia em mim (e ainda cresce), me fez continuar sonhando com a sua chegada, com o seu rostinho, com o seu cheirinho, com o som da sua voz...

Ao longo de 9 meses, Filho, eu arrumei a minha mobília interna, as minhas paredes, meus alicerces para que eu pudesse ser a sua melhor Mãe. 

E aí você chega ao mundo e agarra no meu rosto como se dissesse "eu vim pra você, mamãe", e ali eu pude sentir o amor mais verdadeiro do mundo, meu Minduim

10:24 de um 21 de fevereiro e minha vida mudou, para melhor, mais uma vez.

Aracelli Moreira 

 

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Sala de Espera


Quatro barrigudas, uma em cada ponta.

Uma acaricia a barriguinha...

Outra come barrinha de cereal como se fosse um pudim inteiro...

Eu escrevo...

A quarta está cheia de malas... Vai internar!

Eu, quando vinha para sentar aqui à espera das ultras do meu leãozinho , no ano retrasado, via as outras mães levando seus filhotinhos pra casa, enquanto eu pensava quando seria a nossa vez. 

Ultimamente passei os 9 meses sentada aqui me vendo no ano retrasado, em que minha vida se resumia à UTI do andar de cima: crachá, casaco, garrafinha d'água e Havaianas para aguentar as horas de pé. 

Já com meu "Mindu", passei todos esses meses sabendo que o viria nas ultras pelo monitor, de cara emburrada, mostrando o bumbum e que tudo estaria bem. Que o terei ao meu lado desde o instante que nascer. Que lá de cima, meu Miguelindo cuida de tudo do jeitinho que a mamãe sempre sonhou. 

´Aracelli, pode entrar!´

Aracelli Moreira 

 

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Às mães de Anjos


relógio

Tempo

Do dicionário: "Série ininterrupta e eterna de instantes", "Medida arbitrária da duração das coisas".

Tudo depende do Tempo. É ele que nos faz mais, ou menos, que nos ameniza, ou que nos aumenta o sentir por algo ou alguém. Que desvenda aquilo que não queremos ver, ou disfarça o que nos é desnecessário.

É o tempo que  nos mostra que a vida é feita de pequenos instantes, que não passam, mas se distanciam, se transformam, se ressignificam... 

Por meses eu quis que a vida ora passasse logo, ora voltasse e me mostrasse outra realidade. Mas aí não estaria falando de tempo, mas de fuga. Mães de Anjos por vezes querem fugir, porque o tempo parece que para, é como se ele estagnasse para que se possa olhar tudo detalhadamente.

Viu? É essa sua nova vida. É com ela que você deverá reaprender a viver. E eu vou te dar a duração necessária para isso.” – É assim que o imagino dizendo em meu ouvido.

Essa série ininterrupta e eterna de instantes me fez voltar a falar com Deus, me fez entender a missão que eu escolhi para viver com o meu filho que partiu, me fez desejar continuar a viver uma nova página com Theo, com a nossa família, de uma história que não tem fim.

O tempo me mostra que 1 ano pode ser muito pouco, ou até mesmo uma vida inteira. Que um dia achei que nunca mais fosse sorrir, ou amar, ou querer que chegasse o outro dia, e de repente tudo o que eu quero é um tempo cheio de instantes que me farão ainda mais feliz! 

Aracelli Moreira 

 

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